O olhar contemplativo do Mestre

O olhar contemplativo do Mestre

Com inúmeros seguidores, Yuri Bittar, o fundador do Fotocultura, coleciona boas fotos e histórias para contar

Matéria publicada na revista EVF de novembro de 2014 (texto atualizado, nas imagens laterais a matéria original)
Texto: Bruno Schuveizer | Fotos inicial: Fábio Uehara | Demais fotos: Yuri Bittar

No segundo andar do prédio da Unifesp, na capital paulista, Yuri Bittar pensa sobre seus futuros projetos no campo da fotografia em sua sala, enquanto dá conta de seu trabalho como designer na universidade. Nos últimos anos, o fotógrafo se destacou e atraiu inúmeros seguidores ao criar o que no começo era chamado de Fotografia e Cultura Visual, e que logo veio a se tornar o Fotocultura, famoso grupo que reúne fotógrafos profissionais e amadores para saídas fotográficas e troca de experiências.

Sua paixão por fotografia começou ainda no inicio da década de 90, e com dia marcado para sempre em sua memória. “Eu me lembro bem do dia em que comecei a gostar de fotografia”, conta, empolgado. “Eu lembro porque fiz uma viagem de aventura, tinha uns 16 anos. Íamos a pé de São Paulo a Itanhaém, dois dias andando. Então fomos ver uma piscina natural, e ninguém tinha câmera. Naquele dia eu me amaldiçoei por não ter uma câmera (risos)”. E assim, com direito a um dia inesquecível em um lugar lindo, descobriu uma de suas maiores paixões, mas de forma um tanto frustrante.

A primeira atitude a ser tomada depois dessa experiência, como haveria de ser, foi comprar uma câmera. “Eu adquiri uma Kodak, daquelas bem simples, você só precisava apertar o botão, ela avançava o filme, tudo automático. Com ela fiz muitas fotos e me vi realmente interessado”.

Em sua pequena sala há um mural com fotos feitas por ele. A mesa organizada e a música baixa ao fundo, provavelmente um rock da década de 80, completam o ambiente. Enquanto conversamos, Yuri tenta mostrar a importância das coisas comuns em nosso dia-a-dia.

Com 19 anos, entrou para a faculdade de design, mas não sem antes conferir se fotografia estava na grade.

“Naquela época era mais difícil começar, não havia internet, então você tinha que comprar revista na banca, ou livro, ou fazer curso. Não tinha outro jeito. Por isso aproveitei ao máximo as aulas de fotografia na faculdade”.

Ainda na faculdade, conseguiu um emprego como fotógrafo em uma pequena revista. Yuri lembra que não foi um trabalho muito interessante - mas que serviu para que ele entrasse de vez no mundo da fotografia – e que o legal mesmo era a correria, pois a publicação era semanal e os prazos eram bem apertados.

Ficou por cerca de seis meses nessa revista. Depois começou a expandir o repertório e fazer um pouco de tudo na fotografia. Mas isso não estava sendo o suficiente para completar a renda, então teve que adotar a prática de fotógrafo apenas como um bico, enquanto tinha outro emprego fixo. Fez casamentos, eventos empresariais entre outras coisas nesse período.

Começou então sua carreira como designer. Yuri, ao falar sobre isso, desvia o olhar. Num movimento quase imperceptível, olha para seu mural de fotos e revela que nessa época a fotografia começou a se tornar algo cada vez mais distante em sua vida.


“Até como hobby a fotografia acabou ficando um pouco para trás, porque era uma prática cara na época do filme”, lembra. “Isso no começo dos anos 2000”, completa.


Entre esse período cursou desenho industrial e depois história na USP. Mas conta que quase não fotografou mais até 2007, até que surgiu uma oportunidade de trazer novamente à tona seu conhecimento no campo visual.

No final do curso de história, Yuri conta que os alunos precisaram fazer um documentário em grupo. Com o nome “No chão da cidade, descartáveis e descartados”, o seu grupo conseguiu dar um novo e interessante viés ao clichê das fotos de moradores de rua. A proposta era compará-los ao lixo reciclável, ironicamente, como forma de denúncia, com a intenção de mostrar que não só esses materiais poderiam ser reciclados, mas que também poderíamos repensar a forma como tratamos os moradores de rua.

“Durante as filmagens fotografei bastante, com filme ainda, e daí em diante não parei mais. No começo continuei buscando imagens com tema ligado ao chão da cidade.” Mas já não fotografava apenas moradores de rua, como também engraxates, pedestres, enfim, qualquer assunto que tivesse esse apelo.

Esse trabalho resultou em uma exposição em 2009 na reitoria da UNESP. “Depois disso não queria mais fazer fotos assim, costumo dizer que essa foi minha cota de miséria (risos), até mesmo porque esse não deixa de ser um assunto bastante batido na fotografia. Então comecei a entender que, na verdade, o grande desafio é fazer fotos bonitas a partir de coisas mais comuns”, diz.

Em 2008 foi convidado pela Unifesp para dar um curso de extensão de fotografia para funcionários da universidade e parentes. Encarou essa nova experiência.

Fotografia e Cultura Visual, a Fotocultura

A ideia principal para o curso era ampliar o repertório visual e cultural dos alunos, e não apenas ensinar como mexer em uma câmera. Para deixar o curso mais dinâmico, Yuri preparava uma saída fotográfica com os alunos, a fim de que eles colocassem em prática o que tinham visto em sala.

“Depois de algumas saídas, os alunos começaram a perguntar se podiam levar amigos junto, eu deixei e divulgaram na internet. E vi que muita gente que não era aluno começou a participar. Então, comecei a fazer duas saídas: uma para os alunos e uma aberta para quem quisesse participar. As pessoas divulgavam pelo Flickr, e assim as saídas começaram a ganhar vida.”

Em 2013, o Fotocultura alcançou o impressionante número de 460 fotógrafos profissionais e amadores em uma única saída. Yuri viu que não era mais possível continuar ampliando, até mesmo por uma questão de responsabilidade com quem participava. Mas as saídas continuam fortes, sempre atraindo um grande número de apaixonados por fotografia.

Com o sucesso crescente das saídas Fotocultura, Yuri resolveu experimentar o mesmo formato, mas para dar aula. Um único dia de curso, explorando ao máximo a prática, com temas específicos e exercícios.

“Eu percebi que era bem legal, porque, apesar de ter a limitação de um dia, o aluno não falta no meio, não perde conteúdo.”

Fotografia de rua

A paixão pela fotografia de rua, como ele conta, na verdade começou por volta de 1997. Na época, ainda com câmera de filme, Yuri não podia desperdiçar fotos. “Eu saía num dia para usar meio filme (risos)”.

No entanto, ele revela que não tinha muita ideia do que fotografar nas ruas, conta que tinha vergonha de fotografar as pessoas e acabava fazendo algumas fotos de paisagem. E, com a rotina do trabalho à partir de 1998, a prática de street teve que esperar 10 anos. Só em 2008, com os cursos Fotocultura, Yuri sentiu novamente a vontade de sair às ruas com – e sem – alunos.

Comprou uma câmera bridge e voltou definitivamente para a fotografia de rua. O fato de ele ter organizado os cursos o ajudou, Yuri já sabia o que procurar quando ia para a rua.

Fotografia Contemplativa

Por volta de 2011, enquanto realizava seus cursos de fotografia de rua, acabou conhecendo sem querer a fotografia Fotografia Contemplativa. “Eu postei uma foto minha no Flickr e uma amiga comentou perguntando se era Fotografia Contemplativa. Entrei no Google e comecei a pesquisar sobre o tema. Gostei e logo comecei a praticar e me aprofundar cada vez mais”, lembra.

Decidiu incluir o tema em seus cursos. No primeiro, Yuri mesclou fotografia de rua e Fotografia Contemplativa para testar a aceitação de seus alunos. E muita gente procurou, o curso superlotou. Resolveu abrir uma nova turma 15 dias depois.

“Mais ou menos um mês antes de eu organizar esses dois cursos, fiquei sabendo de uma oficina que ia ter do Andy Karr, um americano que é um dos grandes mestres nisso. A oficina acabou sendo no fim de semana entre esses dois cursos. Uma sorte!”

Outro episódio que também o aproximou desse estilo foi quando surgiu a oportunidade de um amigo trazer dos EUA para ele o único livro sobre Fotografia Contemplativa lançado até hoje. A publicação é relativamente nova, de 2009, e muito completa.

Em pouco tempo, o tema ganharia um curso próprio. E o sucesso foi imediato. Yuri é um dos precursores do estilo no Brasil, e talvez o único a realizar cursos específicos sobre o tema por aqui.

A fotografia contemplativa busca treinar o olhar, fazer nós desenvolvermos nossa percepção acima de tudo. Por isso, Fotografia Contemplativa é fotografarmos exatamente aquilo que vemos, da forma que vemos.

“A ideia das práticas contemplativas é usufruir do momento, então o objetivo da fotografia contemplativa é fotografar aquele momento com o que há para fotografar, não buscar imagens espetaculares. Você fotografa o que chamou a atenção da visão, da sua percepção”

Ao final da conversa, Yuri é categórico: “Quando alguém entra em minha sala, não pode sair sem uma selfie!”. Ele se levanta e pega uma lente fisheye para smartphone. “Essa é nova, troquei a pouco tempo, é mais fácil de acoplar ao celular”, diz, sorrindo. Como sempre, Yuri estava, como ele diz, roubando tempo para fotografar.

 

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