A fotografia em Preto e Branco (PB, ou monocromática)

Os filmes fotográficos ficaram para trás, hoje são apenas um hobby de poucos. A fotografia agora digital, portanto os sensores captam sempre imagens coloridas. Assim me faço a pergunta; Porque ainda se usa fotografia em preto-e-branco? E mais ainda, o que é a fotografia em Preto-e-branco, só ausência de cores? 

 

Passagens   Ovada, Piemonte  [Série PASSAGENS, Itália 2019]
PASSAGENS, Itália, 2019

 

Como podem ver no exemplo acima a mesma foto, em cor ou PB, fica bem diferente, conta histórias diversas, causa sensações até mesmo postas. 

 

 Vou procurar então responder estas questões. Esta é apenas uma exploração básica sobre o tema, para uma reflexão mais profunda cabem uma pesquisa melhor.

 

A fotografia nasceu em preto e branco, ou preto sobre o branco, no inicio do século 19. Todos os princípios da fotografia foram descobertos ou desenvolvidos antes do surgimento da fotografia colorida. Desde as primeiras formas de fotografia que se popularizaram, como o daguerreótipo, aproximadamente na década de 1830, até os filmes PB (preto-e-branco) que surgem na virada do século, houve muita evolução técnica, e diminuição dos custos. Os filmes PB modernos tem uma grande gama de tonalidades, superior mesmo aos coloridos, resultando em fotos muito ricas em detalhes. Por isso as fotos feitas com filmes PB são superiores ás fotos de filme coloridas “transformadas” em PB.


PASSAGENS, Itália, 2019
 

Com o surgimento dos filmes coloridos, popularizados a partir da década de 1960, muito se falou no fim da fotografia preto-e-branco. Mas nós sabemos que isso não aconteceu, e ainda hoje se usa muito a fotografia PB.Mas como ela sobreviveu? Porque ainda se tiram fotos em PB se existe filme colorido? E agora, com o advento da fotografia digital? 


Alguns fatores que contribuíram para isso: 
- a fotografia em PB se tornou uma opção artística 
- os filmes PB tem maior riqueza de tons 
- a falta de cor torna a imagem registrada mais distante do nosso olhar (colorido), o que facilita a busca de um registro além da realidade, ou de uma outra realidade. Seria a poesia fotográfica 
- a fotografia em PB facilita a abstração das imagens, o que nos permite criar algo que não é um registro, mas sim algo novo, algo por si mesmo, enfim, arte 
- uma fotografia PB dura mais tempo, aprox. 200 anos, contra 100 da colorida. 
- a fotografia em PB e tornou um diferencial 
- a fotografia em PB desperta saudosismo 
- sem a presença das cores podemos perceber melhor as formas, expressões e tonalidades 
- outros aspectos ainda poderiam ser destacados, já que cada pessoa pode ver outros fatores

 

Faixas (No Chão da Cidade)
Faixas - 2008 
 

Com a chegada da fotografia digital no final dos anos 1990 ficou bem mais fácil e barato fotografar em PB. Mais ainda, desaparece a diferença de qualidade entre cor e PB que havia nos filmes. Agora podemos tirar as fotos em cores, e depois convertê-las para PB no computador, ou até mesmo tirar as fotos já em PB, usando o filtro da câmera, ou melhor ainda, tirar fotos em RAW+JPG, o "negativo digital", que guarda todas as informações, inclusive cores, mesmo que visualizadas em JPG sejam PB.

 


SOMBRAS DE PAZ E SOLIDÃO, Portugal, 2018
 

A fotografia em PB tem algo de atemporal, de eterno, como se o instante registrado em PB pudesse, mais que outros, permanecer, como algo retirado do tempo comum, o tempo das cores e da vida real, então esse mundo PB seria algo como um mundo ideal, onde as coisas não envelhecem. 


Retratos silenciosos do barulho interior, São Paulo SP,  2016
 
Quando nos preparamos para casar, por exemplo, nos preocupamos muito em registrar esse dia tão especial e maravilhoso, por isso procuramos um bom fotógrafo. Mas não queremos fotos quaisquer, e não queremos fotos comuns, como aquelas que costumamos tirar nas férias ou em aniversários, queremos fotos de qualidade, sensíveis, diferentes e originais. Por isso procuramos um profissional. Normalmente temos algumas, ou muitas, fotos PB num álbum de casamento, elas dão credibilidade a um trabalho que se quer artístico.

 

Se queremos então fotos que realmente se diferenciem, que sejam “artísticas”, “jornalísticas”, românticas e sensíveis, poderemos pensar em fotos PB. Isso porque as fotos PB tem um clima mais atemporal, eterno, assim como esperamos que seja nosso amor. O casamento de certa forma deve ser em preto-e-branco, pois durará mais tempo, terá uma aparência que não envelhece, será diferente, admirável e sensível, e poderemos prestar mais atenção á sua forma do que suas cores. Você já reparou como as fotos em preto-e-branco transmitem mais emoção ? A falta de cor pode revelar outras coisas que a cor encobre.

 

As fotos monocromáticas ganharam então uma aura de arte. Se vamos a uma exposição artística esperamos ver fotos sem cores. É claro que isso não é obrigatório, e as cores não são empecilho para a arte. 

 

Mas não podemos negar que a fotografia PB nos permite "abstrair" a realidade, ou seja, ver cenas de lugares comuns de uma forma nova, entrar em uma nova dimensão. Com a retirada da cor as formas e a luz ganham destaque, surge algo novo, e algo que existe desaparece (a cor). Há ainda o saudosismo, a atemporalidade do PB, algo como um reforço da carga afetiva da imagem, como se a dor ou a alegria em PB se ampliassem.

 

Clélia, num dia frio e cinzaClélia, num dia frio e cinza, São Paulo, 2013

 

E como fazer?
Para desenvolver a técnica do PB é preciso aprender a pensar em PB, e para isso devemos praticar muito e refletir. Coloque sua câmera no modo PB e vá fotografar, comece a perceber o que fica legal sem cores. Devemos ainda lembrar que a fotografia surgiu e se desenvolveu em PB, por isso muitos dos conceitos básicos da fotografia podem ser bem entendidos no PB pois assim foram concebidos.
 É importante também ver e conhecer bons trabalhos, como os de Sebastião Salgado, Cartier-Bresson e muitos outros. Existem bons cursos e livros sobre isso, mas o essencial é a prática.

 

Referências:
Sontag, Susan. O Mundo-imagem. in Ensaios sobre a fotografia, tradução de Joaquim Paiva. Editora Arbor, Rio de Janeiro, 1981.
BARTHES, Roland, A câmara clara: nota sobre a fotografia, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1984 

 

Artigo originalmente escrito em 2008 - revisado em março de 2020.

 

  

Sobre o autor:

Yuri Bittar é fotógrafo desde 1998, designer (Mack) historiador (USP) mestre em Ensino em Ciências da Saúde e doutorando (UNIFESP). É instrutor de Mindfulness certificado pelo Mente Aberta Brasil, praticante de Fotografia Contemplativa desde 2012, tema sobre o qual desenvolve doutorado. Através da história oral, da fotografia, da literatura e outros recursos, tem buscado criar projetos mais próximos ao humano e que contribuam para a melhora da qualidade de vida.

"Acredito que a fotografia pode e deve estar presente no dia-a-dia, como trabalho, como expressão artística e como registro, e ainda como oportunidade para o relacionamento humano, para conhecimento e auto-conhecimento."

Site pessoal: www.yuribittar.com